O Parque Roseiral, em Belford Roxo, Baixada Fluminense, foi cenário de um marco na história das chacinas policiais no Rio de Janeiro. Foi lá, sob o escudo da Operação Égide, que a Polícia Rodoviária Federal participou pela primeira vez desde 2016 de uma ação que terminou em chacina.
Com esta chacina abre-se um precedente fatal: com a justificativa de reprimir o roubo de carga, a PRF passou a fazer incursões em favelas do RJ participando de operações com outras polícias. No Parque Roseiral morreram três pessoas que nunca foram identificadas. Nenhuma carga roubada foi recuperada.
A chacina do Parque Roseiral aconteceu depois da morte do cabo da polícia militar Rafael dos Santos Castro, em São João de Meiriti. De lá pra cá, foram 10 operações envolvendo a PRF terminaram em chacinas. Elas deixaram 71 mortos.
No dia 31 de janeiro de 2018, um policial militar foi morto em São João de Meriti. O cabo Rafael dos Santos Castro checava o roubo de um caminhão dos Correios, na comunidade Bacia de Éden, quando, na versão oficial, foi baleado por criminosos em uma troca de tiros e morreu.
Na manhã seguinte, 1º de fevereiro de 2018, comunidades de São João de Meriti e também de Belford Roxo acordaram com uma megaoperação, parte de outra grande operação nacional: a Égide. “Tinha operação toda hora naquela época. A gente nem fazia conta”, diz uma liderança comunitária de Belford Roxo.
O Rio de Janeiro foi um dos estados incluídos na Operação Égide, iniciada em 10 de julho de 2017 pela Polícia Rodoviária Federal. Os outros estados com ações previstas ficavam na região Sul e mais o Mato Grosso do Sul. A ideia era também cercar as fronteiras e cobrir estados com grandes corredores rodoviários, na definição da PRF. Assim, Goiás, São Paulo e Minas Gerais também receberam a Égide.
O Rio de Janeiro foi o único incluído sem adendo ou explicação. Ao longo de um ano e meio de operação, alegou-se que a inclusão do Rio tinha como objetivo diminuir os índices de roubo de carga que cresciam no estado, de acordo com os dados oficiais.
Por conta da Égide, chegaram mais 280 agentes de outros estados para encorpar o efetivo da PRF nas estradas do Rio, em apoio às polícias estaduais. Moradores da Baixada Fluminense passaram a ver mais agentes federais nas operações que aconteciam na região. Belford Roxo, um dos municípios da Baixada, é estratégico para ações contra roubo de carga. Ele está fincado entre duas rodovias nacionais e é cortado por várias rodovias estaduais. Por isso, passou a ser apontado pelas autoridades como ponto crucial para escoamento dos produtos roubados.
As comunidades próximas a rodovias na Baixada Fluminense passaram os meses da Égide sob operações quase diárias, sempre com objetivo de reduzir roubo de carga, segundo as autoridades.
Em 2016, ano anterior ao início do plano, o Rio bateu recorde de registros de roubos: 9.874, frente aos 7.225 de 2015. Em 2017, foi pior: o estado registrou 10.599 roubos de carga — o maior número da série histórica do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro até agora.
Os dados serviram para justificar um tipo de ação que ao longo dos últimos seis anos tornaram-se corriqueiras no Rio: operações policiais que reúnem a PRF e as polícias estaduais. Esse tipo de operação já começou com chacinas. Na prática, a PRF passou a participar de operações contra tráfico de drogas, se houver qualquer mandado que envolva roubo de cargas. Mais uma força policial vendida como solução, mais um ponto de atenção para ações dentro de favelas e comunidades do Rio.
Naquele começo de fevereiro de 2018, mais de 350 agentes da Polícia Rodoviária Federal e Polícia Civil saíram para cumprir 65 mandados de prisão e 85 de busca e apreensão. O balanço é que foram cumpridos 16 mandados de prisão, sendo que quatro destes contra pessoas já presas.
No Parque Roseiral, em Belford Roxo, três homens foram mortos. A chacina policial praticamente não teve repercussão. As vítimas não tiveram seus nomes divulgados e não foi aberto processo para investigação das mortes. Na coletiva de imprensa imediatamente após a operação, as autoridades se limitaram a dizer que todos — presos, mortos e fugitivos — eram de alta periculosidade.
Nenhuma carga roubada foi recuperada. Foram apreendidas cinco armas. Duas motos roubadas foram recuperadas.
Aqueles três homens mortos marcaram a primeira chacina policial do Rio de Janeiro com presença da PRF desde 2016.
De lá para cá, a PRF se fortaleceu durante o governo Bolsonaro e marcou presença em outras chacinas e operações de grande porte no Rio de Janeiro, sempre em busca de veículos ou carga roubados.