Jacarezinho  •  2021 27 mortos

A maior chacina da história do RJ

A chacina policial ocorrida no Jacarezinho em 2021 é a maior da história do Rio de Janeiro. 27 pessoas foram mortas após a morte do policial civil André Frias, em uma ação que durou mais de 10 horas com intenso tiroteio. Meses depois, policiais foram acusados de forjar uma execução, de mentir sobre mortes e fraudar provas.

pernas de um soldado fuzil

As forças de segurança cruzaram a Avenida Dom Hélder Câmara, saindo da Cidade da Polícia, em direção à favela onde vivem 40 mil pessoas, para realizar uma operação contra grupos criminosos. Amanhecia quando o policial foi atingido na entrada da favela. Por que a polícia não recuou depois disso, como recomendam os melhores protocolos?

Balas
perdidas

Durante a ação policial, a circulação do metrô foi interrompida, uma Clínica da Família e postos de vacinação contra a covid-19 foram fechados. Mais de 2.000 estudantes não tiveram aula. Três pessoas foram vítimas de balas perdidas: duas no metrô e uma em casa.

um olho com o reflexo das pernas de um soldado na pupila
fuzil
fuzil

Na manhã do dia 6 de maio de 2021, policiais atravessaram a rua para cometer a operação mais letal da história do Rio de Janeiro.

Saíram da calçada par da Avenida Dom Hélder Câmara, onde fica a Cidade da Polícia, para a calçada ímpar, a entrada do Jacarezinho.

Levavam papéis com fotografias de pessoas suspeitas de pertencerem ao tráfico de drogas. A operação foi batizada de Exceptis.

Logo no começo da ação, o inspetor André Frias saiu do caveirão para retirar barricadas na rua. Foi baleado na cabeça.

“Se a inteligência tinha informações de que os criminosos estavam fortemente armados, que eles se organizavam e, provavelmente, aliciavam crianças e adolescentes para o tráfico, uma informação fundamental numa análise tática é: eu vou precisar de 100 policiais, 200, 300, de 500 para conseguir fazer superioridade tática para chegar lá e prender os criminosos. Porque, num planejamento de polícia, eu não posso pensar no confronto, eu tenho que pensar em prender os criminosos e levá-los ao Judiciário”, disse à época Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A polícia, no entanto, fez o oposto.

Bruno Brasil saía de casa, quando foi pego por policiais no Beco da Zélia. Levado para dentro de uma casa, foi baleado na cabeça.

Caio da Silva Figueiredo, 17 anos, morava em Paracambi, mas conheceu pessoas do Jacarezinho e ali ficou por mais ou menos um mês. A irmã disse aos policiais, segundo a corporação, que Caio era usuário de drogas. Foi morto com um tiro.

Carlos Ivan Avelino da Costa Junior foi morto no campo do Abóbora. A mãe, em depoimento, disse que o filho estava em situação de rua e era dependente químico há quatro anos.

Cleyton da Silva Freitas de Lima foi morto na rua Darci Vargas. Procurado pela polícia, ele foi baleado na perna durante a operação. Já ferido, falou por telefone com a esposa. Minutos depois, apareceu morto, com quatro tiros no ombro e no abdômen.

Diego Barbosa Gomes, conhecido como Patolino, foi um dos sete mortos na rua do Areal.

Evandro da Silva Santos, 49 anos, foi um dos sete mortos na rua do Areal.

Francisco Fábio Dias Araujo Gomes foi baleado e levado ainda vivo para um caveirão. Em depoimento, a esposa disse que ele saiu para comprar maconha quando começou o tiroteio. Francisco chegou a entrar em contato com a esposa, que recebeu sua localização e foi até a casa onde ele estava. Lá, ela viu diversos corpos no chão e duas pessoas sendo presas, uma delas Francisco, que foi levado para o caveirão com um tiro na mão, mas vivo. Depois, a família foi avisada que ele havia morrido.

Guilherme de Aquino Simões, 35 anos, foi morto na travessa Santa Laura. Segundo a polícia, a namorada de Guilherme contou, em depoimento, que ele pertencia ao tráfico de drogas há um ano.

Isaac Pinheiro de Oliveira tinha envolvimento com o tráfico de drogas do Jacarezinho, segundo a família. Foi morto dentro de uma casa.

John Jefferson Mendes Rufino da Silva foi um dos sete mortos no Areal. Durante o tiroteio, John ficou encurralado e mandou mensagens para a irmã pedindo orações. “E daí se ele tinha envolvimento ou não? Tinha que pegar, levar e prender. Não matar. Mãe nenhuma pare traficante, não”, disse uma tia de John, à época.

Jonas do Carmo Ramos foi um dos cinco mortos na travessa Santa Laura. Segundo a polícia, foi morto durante confronto. A família diz que ele saiu para comprar produtos em uma loja de material de construção. "O meu marido foi baleado na perna, chorou, pediu ajuda", disse a viúva na época.

Jonathan Araujo da Silva, 18 anos, foi morto dentro de uma casa na travessa João Alberto. A família disse que ele fazia entregas para um supermercado e morreu a caminho da casa da namorada. O desejo de Jonathan era servir às Forças Armadas.

Luiz Augusto Oliveira de Farias foi um dos mortos na travessa Santa Laura.

Márcio da Silva Bezerra era pai de um bebê de 8 meses, tinha um mandado de prisão em aberto e estava desempregado. A família não conseguiu ver o corpo.

Marlon Santana de Araújo foi um dos sete mortos no Areal. Um tio disse que Marlon ficou encurralado em uma casa. Ele chegou a ligar para a mãe, falando que estava preso na casa e que não conseguia sair. Dez minutos depois, mandou um áudio com uma voz baixinha, dizendo: "mãe, ora por mim". As mensagens, enviadas entre 8h20 e 8h30, são provas, segundo os parentes, de que houve execução.

Matheus Gomes dos Santos foi encontrado morto sentado em uma cadeira de plástico, com um dos dedos da mão na boca. “O caso do meu filho foi arquivado pelo Ministério Público em fevereiro de 2022, por não ter testemunha. Segundo a resposta do arquivamento, meu filho foi morto como bala perdida. Mas não aceito isso. Uma bala perdida é aleatória, só pega uma vez. Meu filho foi atingido com duas balas de fuzil nas costas”, diz Sandra, mãe de Matheus, dois anos depois do caso. “Eles atingiram a mim e aos meus filhos, que continuam tendo problemas psicológicos, depressão. O mínimo que a gente espera do estado é uma reparação. E o estado nunca nos procurou.”

Sandra faz parte, junto com outras 17 mulheres, de um coletivo de mães que perderam filhos na chacina do Jacarezinho. A morte dos filhos levou também a saúde de muitas delas. Duas mães já morreram por conta de doenças que surgiram depois do trauma.

“Nós ficamos adoecidas. Muitas vivem a base de remédios sedativos, outras têm diabetes, pressão alta. O Estado nunca, em momento algum, fez-se presente depois do que houve aqui. Veio somente com o braço armado, para apagar a memória do que houve naquele dia 6. Hoje contamos com a ajuda da ouvidoria da Defensoria Pública e com um grupo terapêutico que tem nos fortalecido”, diz Sandra.

“A paciência é primordial e eu terei paciência. No momento certo eu vou ver justiça pelo meu filho.”

Maurício Ferreira da Silva foi um dos mortos na travessa Santa Laura.

Natan Oliveira de Almeida era pai de uma menina de 10 meses. Foi morto na rua Darci Vargas. Chegou a ser visto entrando vivo no caveirão, mas apareceu morto em seguida. "Ele vendia droga e fumava maconha, atuava como vapor, mas não resistiu à prisão, nem trocou tiros", disse o padrasto na época.

Omar Pereira da Silva era pai de um menino de 1 ano. Foi encontrado pela polícia dentro do quarto de uma menina que morava ali. A menina, 9 anos, presenciou a morte. O sangue de Omar tomou conta do chão da casa.

Pablo Araújo de Mello era pai de uma menina de 1 ano. Envolvido com o tráfico de drogas do Jacarezinho, foi morto na rua Areal. Pablo foi filmado por câmeras aéreas da TV Globo pulando lajes para fugir dos tiros. A mãe estava assistindo ao telejornal.

Pedro Donato de Sant'ana era pai de um menino de 3 anos e de uma menina de 6 meses. Foi um dos mortos na travessa da rua do Areal

Ray Barreiros de Araújo foi morto no beco da Zélia. A Polícia Civil disse que ele foi baleado em confronto. A família diz que foi assassinato.

Richard Gabriel da Silva Ferreira foi morto dentro de uma casa, junto com Isaac. Ele era um dos procurados pela operação. A família diz que ele se entregou aos policiais, mas foi morto.

Rodrigo Paula de Barros, 31 anos, era pai de dois filhos e, segundo a família, passeava com a cadela de estimação na rua quando foi morto. Eram 6h da manhã. A família disse que Rodrigo já teve envolvimento com tráfico, mas que procurava emprego.

Rômulo Oliveira Lúcio foi um dos mortos na travessa Santa Laura. A esposa disse, à época, que Rômulo se rendeu dentro da casa, mas que foi executado.

Toni da Conceição estava em regime semiaberto e tinha autorização para poder visitar a família no Jacarezinho. Foi um dos sete mortos na rua do Areal.

Wagner Luiz Magalhães Fagundes foi um dos mortos na rua do Areal. A mãe não o via há três anos. Wagner era usuário de drogas.

Mosaico com os rostos dos 28 mortos durante a operação policial no Jacarezinho

A operação Exceptis tornou-se a chacina policial com mais mortos na história do Rio de Janeiro, estado que já era marcado por chacinas macabras. Nem Vigário Geral, caso em que policiais militares entraram encapuzados e mataram 21 pessoas em uma ação extra oficial, foi tão letal.

A operação aconteceu durante a vigência da ADPF 365, determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que restringiu operações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia — elas só poderiam acontecer se fossem urgentes e comunicadas previamente ao Ministério Público. A ADPF foi tratada como “ativismo judicial” pelo então subsecretário operacional da Polícia Civil, Rodrigo Oliveira, durante a entrevista coletiva após a operação Exceptis.

Além da Justiça, Oliveira também provocou a sociedade civil organizada.

“Pseudo entendidos de segurança pública criaram uma lógica de que, quanto mais inteligência, menor o confronto. Isso não funciona assim. Quanto mais precisa a informação, maior é a resistência do tráfico. A Polícia Civil não age na emoção. A operação foi muito planejada, com todos os protocolos e em cima de 10 meses de investigação”, disse na ocasião.

Quase todas as investigações abertas no Ministério Público foram arquivadas um ano após a operação. A morte de Omar Pereira da Silva, de 21 anos, dentro de um quarto de menina, foi a mais marcante e uma das únicas que não dormiu nas gavetas da Promotoria.

Ainda assim, os dois policiais civis réus pela morte de Omar ainda não foram julgados. No dia 23 de agosto haveria um julgamento, mas foi adiado sem nova data.

Mães de vítimas do Jacarezinho e moradores da favela defendem que a letalidade da operação passou por processo de apagamento.

Em maio de 2022, policiais civis derrubaram um memorial construído para lembrar os mortos na operação. No memorial havia o nome de todos os mortos na operação, inclusive o de André Leonardo Frias, policial civil. "Nenhuma morte deve ser esquecida. Nenhuma chacina deve ser normalizada", dizia a inscrição em uma placa de prata.

A Polícia Civil justificou que o memorial era apologia ao tráfico de drogas.

Nós ficamos adoecidas. Muitas vivem a base de remédios sedativos, outras têm diabetes, pressão alta. O Estado nunca, em momento algum, fez-se presente depois do que houve aqui.”

Sandra, mãe de Matheus