400 policiais foram enviados para entrar no complexo do Alemão na madrugada de 21 de julho de 2022. A Polícia Civil enviou agentes da Core; a Polícia Militar mandou militares do Bope. O objetivo, segundo a versão oficial, era coibir suspeitos de roubos na zona norte do Rio de Janeiro. 400 policiais fortemente armados, antes de amanhecer, em uma localidade onde habitam cerca de 70 mil pessoas, que possui 33 escolas municipais no entorno, uma Clínica da Família, uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), um CAPs (Centro de Atenção Psicossocial) e uma Vila Olímpica.
Deu tudo errado. Traficantes do Comando Vermelho responderam à investida policial, puseram barricadas nos acessos e jogaram óleo nas ladeiras para tentar impedir a entrada dos veículos policiais.
Letícia Marinho Sales, 50 anos, foi dormir na casa do namorado, no Alemão. Ela foi ajudar uma pastora a organizar uma festa na favela, e na manhã seguinte voltaria para casa, no Recreio dos Bandeirantes.
O sol não havia chegado ainda quando o tiroteio começou. Letícia saiu da casa do namorado e ficou no meio do fogo cruzado. Dois carros pararam lado a lado em um sinal de trânsito próximo ao cabo da PM Eduardo Rodrigues Junior. O militar disse ter visto uma pessoa armada colocar o corpo para fora de um dos carros, achou que se tratava de um traficante e disparou 12 tiros de fuzil. Um dos disparos pegou no retrovisor do carro que não era o alvo, e depois acertou Letícia.
Junior, na verdade, confundiu um colega de farda com um traficante e atirou. A operação fez sua primeira vítima: a bala pegou no peito de Letícia.
Em outro lugar do Complexo do Alemão, Bruno de Paula Costa, 38 anos, cabo da Polícia Militar, estava na base da UPP Nova Brasília quando, segundo a PM, policiais sofreram um ataque em retaliação à operação. Bruno foi atingido por três tiros nas costas. Também foi ferido no pescoço e no tórax. Chegou a ser levado ao hospital estadual Getúlio Vargas, na Penha, mas morreu, deixando esposa e dois filhos autistas.
Nas horas seguintes, o Complexo do Alemão foi banhado em sangue; 15 pessoas foram mortas pela polícia, que afirma que todos eram suspeitos, ainda que alguns jamais tenham tido anotações criminais.
Foram mortos em 21 de julho de 2022: Anderson Luiz Bezerra Fonseca, Bruno Neves Leal, Diego Barboza da Silva, Emerson de Souza Teixeira, Fernando Nascimento da Silva, Gabriel Farias da Silva, Luan de Araujo Rosário, Rafael Correia de Melo, Wellington Moura da Silva Júnior, Emerson José Costa Junior, Jhonathan Vitor Ferreira Nunes, Luiz Cláudio Rozendo Lopes Júnior, Marcos Paulo Nascimento da Silva, Wanderlei Gomes de Lacerda.
Policiais passaram a noite no Complexo do Alemão. A favela foi ocupada. Na manhã do dia seguinte, 22, Solange Mendes, 49 anos, estava na rua, numa região chamada Caixa D'Água, quando foi atingida por um tiro na cabeça. Solange era dona de uma pensão na favela. Foi a 18ª pessoa morta na operação, que durou mais de 24h.
A investida da polícia, cuja intenção era coibir roubos, não prendeu ninguém.
A história do Complexo do Alemão é marcada por operações com muitos mortos. Em 1994, uma incursão de policiais militares e policiais civis na favela Nova Brasília, no Alemão, deixou 13 mortos. Em 1995, na mesma favela, outros 13 mortos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por violência policial no caso Nova Brasília.
Em junho de 2007, uma operação das polícias Militar, Civil e Federal terminou com 19 mortos. Cerca de 2.600 agentes participaram da ação. A incursão tinha o objetivo de capturar dois suspeitos de terem assassinado dois policiais no mês anterior.
Desde 2016, o Fogo Cruzado mapeou 98 mortos em ações policiais no Alemão. Neste mesmo período, duas crianças e oito adolescentes foram mortos durante ações policiais, além de quatro adolescentes que ficaram feridos.
Houve cinco chacinas policiais, como esta de julho de 2022. Juntas, elas deixaram 44 mortos.